sábado, 28 de novembro de 2009

O Ateu




Muitos tentam definir o que realmente é ser um ateu . Várias são as colocações que tenho lido e ouvido para adjetivar aquele que não crê em deus/deuses. Como muitas dessas definições partem de religiosos e, exatamente por causa disso, sofrem o vício da parte quem o define, pois um ateu, na maioria das vezes, já foi um religioso e sabe o que se passa na cabeça de quem acredita em uma deidade, já o religioso não sabe o que é ser um ateu, pois nunca experimentou a sensação de ser livre de crendices e pensamentos religiosos. Além do mais, as definições feitas por parte dos religiosos costumam ser caricatas e a distanciarem-se da verdade, seja por desconhecimento de causa, devido ao que escrevi acima, ou seja por maldade de querer descaracterizar um pensamento do qual não compactuam e também não entendem.


Como todos sabem, e isto não escondo de ninguém, eu sou ateu e, por mais incrível que isto possa parecer, pra mim também é difícil definir com exatidão o que é ser ateu. Não trata-se de dar a definição de ateísmo e, a partir dela, levando-se o pensamento na correnteza da lógica que costuma nos enganar e sim definir o que é e como é a pessoa que se diz adepta do ateísmo, o ateu em questão. Muitos religiosos, aproveitando-se do fato de que o prefixo “a” ter sentido de negação, tentam caracterizar o ateu como sendo aquele que nega o deus que o caracterizador acredita, como quem diz “eu nego o teu deus, mas creio em outros”. Isto é pura besteira e costuma ser um artifício, malicioso diga-se de passagem, usado por quem não aceita que alguém não creia em algo e então julgam que o ateu, ao negar deus, esteja negando o seu deus particular. Ateu não crê em nenhuma forma de divindade. Isto é o básico.


Também, colocando neste sentido torto, os cristãos, em particular, gostam de afirmar que o ateu, por não acreditar em deus (e este deus, para eles é exclusivamente o deus cristão), é taxado de satanista, adorador do demônio, luciferiano e coisas do gênero. Não sei se é para rir ou chorar de tamanha ingenuidade, pois, se um ateu não crê em deuses, incluindo ai o deus judáico cristão, é óbvio que não crê também em demônios e similares, já que, como teriam estes sido criados por este deus, que, segundo a ótica bíblica foi o criador de tudo o que existe. É mais simples do que aritmética básica.

Acerca do fato de eu não poder definir com exatidão o que é ser ateu, eu explico... O que ocorre, na verdade, é que o ateu é uma pessoa igual a qualquer outra, que possua ou não a necessiadade de crer em algo sobrenatural e que não possa ser provado. O ateu pensa, se relaciona, vive, convive, ri e chora, ama e odeia como qualquer outra. A única diferença é que não acredita em divindades, o que passa a confrontar-se com a idéia generalizada na maioria da população de que é obrigatório que exista um deus, ou vários, controlando o mundo que nos cerca e a nossa vida particular, ou um deus, como algumas correntes de pensamento aludem, que nem saberia que é realmente um deus, apenas seria uma força que move, aleatoreamente o universo.


Se eu me propor aqui a definir o que é ser uma teu, como tensiono fazer, eu terei de me basear somente em mim, naquilo que penso e da maneira como ajo no meu cotidiano e a partir da minha compeensão de mundo e de vida. Por isso, o que colocarei aqui, não é nenhuma regra ou exemplo a ser seguido e sim a idéia que, através do que sou e dos ateus que conheço, representam o meu ponto de vista sobre o assunto. E escrevo isto mesmo sabendo que várias pessoas estão tentando se agrupar e impor regras e posturas para quem, tão simplesmente e nada mais do que isso, não acreditam em deus.


Uma das afirmações mais indevidas que tenho visto e ouvido é de que um ateu é uma pessoa potencialmente propensa ao mal por não possuir “em seu coração” a idéia “divina” e limitadora de uma corrente religiosa. Esta afirmação, além de inverídica, é de uma infantilidade fora do comum. Não há prova nenhuma que relacione o caráter de uma pessoa, para o bem ou para o mal, em virtude de ser esta pessoa adepta ou não de uma corrente ou pensamento religioso, além do mais teriamos de entrar em uma discussão filosófica interminável acerca do que seria o bem e o que seria o mal.


Vou usar, para início de conversa, três exemplos: Charles Chaplin, Dr. Dráuzio Varella e Paulo Autran. Três pessoas conhecidas, sendo o primeiro um grande vendedor de poesia em forma de cinema, reconhecido pela sua sensibilidade no mundo inteiro; o segundo é um médico e escritor conceituado e o terceiro, não menos conceituado aqui no Brasil, um dos maiores atores de teatro e televisão que o nosso país já conheceu. Alguém de sã conciência diria que estes três exemplos que eu citei teriam uma “propensão para o mal”? Pois, para quem acaso não souber, estas três pessoas ilustres sempre assumiram-se ateus. Agora vamos pegar mais três exemplos: Stalin, Mao Tse e Fidel. Se juntarmos todas as mortes que tiveram a mão, direta ou indireta, desses três ditadores, sabidamente ateus também, daria para encher um oceano de sangue. E agora? Que conclusão tiramos disso tudo?


A conclusão é óbvia: a convicção religiosa (ou a falta dela) não é fundamental para definir o caráter e a postura moral de uma pessoa. Eu poderia, indo ao outro extremo, citar exemplos de pessoas religiosas de conhecida boa índole e também assassinos brutais e ditadores ímpios confessadamente religiosos. Não é a crença em um deus que deixará uma pessoa imune ao que conhecemos como maldade. Alguns, principalmente cristãos, alegam que sem a observância da lei do seu deus é impossível para alguém ter uma postura reta e uma conduta dentro dos princípios considerados normais e agindo conforme a abservância da lei, mas isto é outra ilusão de raciocínio, pois temos leis que regem a nossa sociedade e é através dela que uma pessoa deve espelhar-se para escolher as atitudes a serem tomadas no seu dia-a-dia, pois, do contrário, ao cometer algum ato que vá de encontro aos preceitos que estas leis regem, a pessoa estará sujeitando-se à punição que advém delas, assim como o cristão que, ao infligir a lei do deus que acredita, está ciente que, de acordo com sua crença, poderá ser castigado por seu deus. (E ele castiga mesmo, vide a bíblia)


Outra afirmação que é comum dentro do pensamento religioso é a de que um ateu é uma pessoa infeliz, sem esperança e incapaz de amar. Mais uma vez o raciocínio limitado, pelo desconhecimento de causa já citado, erra groceiramente ao avaliar o que desconhece. Sobre o amor, aqui mesmo neste blog, já escrevi e coloquei a minha opinião, não sendo necessário repetir. Sobre infelicidade, mais uma vez teriamos de abrir uma discussão filosófica sobre o que, na verdade, este termo significa, individualmente ou dentro de um contexto mais amplo. Eu me considero feliz na maior parte do tempo. Infeliz, eventualmente, quando algo dá errado ou alguma preocupação me assola, não mais do que isso, que, resumindo, é o que sentem todas as pessoas, ateu ou religioso. A felicidade plena não existe, pois se estamos plenamente felizes, estaremos tristes pelo tédio de não termos nada mais para conquistar. A felicidade plena, se existisse, seria algo tão em desacordo com a filosofia humana que nos pareceria, a grossos olhos, que o mundo a nossa volta já não teria mais sentido. Pense nisso.

Algumas religiões alegam que a felicidade completa virá, algum dia, por conta do seu deus ou deuses, mas isto é apenas uma suposição, muitas vezes não analisada friamente por parte de quem acredita, ou seja, esperança pura e que não pode ser provada. Esperança esta que os religios alegam que nós ateus não possuímos. Eu, particularmente, prefiro ter esperanças em coisas que sei serem concretas. A esperança em uma ilusão não me convence e nem me atrai, pois aprendi a ser prático nas coisas que me são importantes. Os cristãos e os judeus têm a esperança de viverem eternamente ao lado de Javé (como se viver eternamente possa ser uma benção); os islâmicos matam e morrem na esperança de que, ao chegarem ao céu, gozarão a eternidade entre as pernas de 72 virgens que, serviçalmente, lhes aguardam submissas; os espíritas têm a esperança de ver cessar o ritmo perturbador de reencarnações a que estão escravizados e tornarem-se espiritos de luz, seja lá o que isto seja. E o ateu, que esperanças possui, perguntas os crédulos de plantão?


O ateu tem a esperança, entre outras coisas, de ver o ser humano viver em prol da humanidade e não perdido entre ilusões celestiais, angelicais e deístas. O ateu tem as esperanças normais que qualquer pessoa possui em sua vida, com exceção de que nestas esperanças não há lugar para o improvável. Parece pouco, mas ganha-se muito em encarar a realidade de frente, de uma vez por todas, ao invés de perdermos boa parte de nossa vida entre devaneios e elucubações místicas, aguardando a ajuda do etéreo para resolver os nossos problemas que, tão simplesmente, necessitam apenas de nós para serem resolvidos.

Outra afirmação que tem se firmado, principalmente com o advento da internet e com a facilidade que ela propicia em aglutinar grupos e opiniões, é a de que os ateus julgam-se superiores aos teístas, sob o ponto de vista intelectual e no que tange ao raciocínio. Infelizmente é verdade que muitos ateus têm caido nesta cilada, mas não é uma opinião unânime entre aqueles que não acreditam, felizmente. Isto também é uma besteira, pois não podemos medir a capacidade intelectual e de raciocínio de uma pessoa levando-se em conta a sua fé ou a falta dela. O caráter do “acreditar” parece que se firmou no gene social, pela repetição, pela afirmação da existência de um mundo sobrenatural desde que somos crianças e isto acaba por fixar-se no inconsciente das pessoas e torna difífil, em alguns casos, admitir que estamos sozinhos no universo, sem deuses a olhar por nós, mas isto não inibe a capidade de raciocínio lógico, mesmo que a crença em divindades, ao meu modo de ver, vá de encontro a esta capacidade lógica de raciocínio.


Temos inúmeros teístas intelectuais, de ontem e de hoje, que desmentem a máxima de que os ateus são mais inteligentes do que os religiosos, e acho que isto já é prova suficiente. Talvez esse pensamento falacioso tenha nascido da observação de que muitas pessoas, com um bom nível de conhecimento histórico e/ou científico, compõem uma grande parte dos ateus declarados e, em contrapartida, aquela parcela das menos esclarecidas, culturalmente falando, costumam, e isto não é regra também, compor o conjunto de pessoas ligadas às igrejas mais fundamentalistas, e isto em termos de cristianismo. Mas não é nada de que possamos tirar uma conclusão apressada e distorcida dos fatos.

Há também aquela clássica afirmativa, e que mais uma vez, por ser apressada, não corresponde à verdade, de que os ateus só assim declaram-se por desconhecer a palavra bíblica e de não saber que a mesma é a fonte de toda a salvação -e esta é uma afirmação particularmente parte dos adeptos do cristianismo. Existe nessas palavras um enorme, e bota enorme, desconhecimento acerca do que elas afirmam. Via de regra, a maioria dos ateus conhecem tanto ou até mais acerca da bíblia do que os próprios cristãos que a tem como fonte de inspiração. Um ateu costuma conhecer todos os aspectos que envolvem este controvertido livro, se é que podemos chamar a bíblia de livro, mas vá lá. Conhecer a bíblia não é somente decorar os versículos e sair a citá-los como quem repete um mantra, como é costume de muitos cristão. Conhecer a bíblia é entendê-la num contexto de espaço e de tempo, compreender os objetivos e as finalidades que determinaram a composição de cada uma de suas estórias e saber de suas origens, das lendas de outros povos que inspiraram as epopéias que nela contém. É saber que os babilônicos, só pra usar um exemplo, foram o povo responsável pelas leis mosáicas e a bizarra estória do dilúvio. Mas o cristão comum, aquele mais fundamentalista, principalmente originado dos cultos pentecostais, não entende assim. Ele acha que a bíblia é a palavra original de deus e ponto final. Qualquer prova histórica que aponte a verdade é considerada coisa do demônio.


Conheci um pastor batista que afirmava ser pecado instruir-se. Estudar e ter um mínimo de conhecimento, para este pastor, era considerado um pecado de ordem gravíssima. E sabemos o porquê: a instrução leva ao questionamento e isto, para os que vivem da exploração da ingenuidade e credulidade dos mais simplórios, culturalmente falando, é um perigo assustador.


Claro que existem os ateus de fim-de-semana, que declaram o seu suposto ateísmo por rebeldia ou por necessiadade de aceitação dentro de um determinado grupo, mas são minorias.


Esta opinião acerca do que é “ser ateu” é uma opinião minha, particular. Ela foi moldada, principalmente, baseando-se naquilo que sou, que entendo e como costumo agir e através da observação e do contato que tenho com outros ateus, na maioria virtuais, mas que me possibilitaram tentar encontrar um denominador comum para definir, vagamente, como é e como pensa um ateu. Isto é apenas um texto que escrevo na tentativa de explicar para os que não são ateus e não entendem direito o que se passa em nossas cabeças céticas, mas não é nenhuma a regra a ser seguida, pois para ser ateu não existe regra, exceto o fato de não crer-se em divindades.


O ateu, afinal de contas, é uma pessoa como qualquer outra, o que nos diferencia da imensa maioria teísta da sociedade é que vivemos livres. Livres de um pecado que não cometemos, como o pecado original judaico cristão, livres do medo do castigo por raciocinar, livres do machismo imposto pela maioria das religiões, e principalmente, livres para viver.

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